100 Anos Desde o Início do Universo das Galáxias

Há 100 anos dava-se início a um debate sobre as origens das "nebulosas" e o Universo das Galáxias.
Até então, "nebulosas" não eram o que conhecemos hoje e, Via Láctea era nome dado literalmente ao "caminho de leite" que observamos no céu em noites escuras, além de tudo que estava visível e não eram estrelas. Ou seja, não existia o conceito de 'galáxias' nem da 'Via Láctea', como conhecemos hoje.
 
As "nebulosas", até um século atrás, poderiam ser aglomerados globulares em nossa Galáxia, nebulosas planetárias, como também outras galáxias.
 
O tamanho do Universo é uma discussão antiquíssima. Mas ficou mais acelerada com o Heliocentrismo de Copérnico e a catalogação das nebulosas Charles Messier (1730-1812), após o uso de telescópios astronômicos. Porém, eram muito pequenos para a realização dessas medidas.

Além da enorme contribuição para o pensamento filosófico, Immanuel Kant (1724-1804) contribuiu também para outras áreas, como a Astronomia. Utilizando os catálogos de Messier, Kant propôs que as "nebulosas" eram "Universos Ilhas". Semelhantes ao que hoje conhecemos como nossa galáxia - a Via Láctea, as "nebulosas", ou "universos ilhas" eram outros sistemas estelares complexos muito distantes do nosso disco galáctico. Desnecessário dizer que com os telescópios da época não seria possível provar se estava certo ou errado [1].

Embora o conceito de paralaxe [1] seja tão antigo como o "Pai da Geometria" — Euclides de Alexandria (300 AC) —, "a primeira medida exitosa de uma paralaxe estelar foi feita pelo matemático e astrônomo alemão Friedrich Wilhelm Bessel (1784-1846) em 1838, para a estrela binária visual 61 Cygni (m=5,2), estimando p=0,31±0,1", correspondendo a uma distância de 600 mil UA = 10,4 anos-luz. O valor atual é 0,287±0,002". Ele escolheu esta estrela para observar porque notou que ela tinha um alto movimento próprio, de 5" por ano" [2].
Estava aberto um novo universo para o cálculo de distânicas astronômicas precisas.
Paralaxe
Simulação de paralaxe astronômica. Fonte: http://astro.if.ufrgs.br/dist/dist.htm
 
 
Curtis x Shapley
O século XX viu o nascimento das poderosas disciplinas observacionais nos levariam à astronomia moderna. Essas disciplinas eram astrometria de precisão, graças à melhoria dos telescópios e à incipiente fotografia, espectroscopia e fotometria.
 
Desde o final do século XIX, entre os astrônomos que têm trabalho científico à disposição com as novas técnicas que estão sendo aplicadas em astronomia, encontramos Heber D. Curtis (1872-1942), do Observatório Lick. 
 
Curtis observou o estudo de estrelas "novas", em particular os estudos de variáveis cefeidas (um tipo de estrela variável que permite medir distâncias extragalácticas pela sua relação período-luminosidade bem definida), desenvolvidas por Henrietta Swan Leavit (Universidade de Harvard), em 1912 como "velas padrão" para calcular distâncias no Universo [4]. https://cielosestrellados.net/2020/02/22/100-anos-del-principio-del-fin-del-universo-de-las-estrellas/
 
Cefeidas
Relação Período x Luminosidade das Cefeidas como padrão de distãncias extragalácticas. Fonte [http://astronomy.nmsu.edu/geas/lectures/lecture27/home.html]
 
Curtis concluiu que a Via Láctea era menor do que pensávamos, mas era apenas o nosso universo local, além de outras galáxias, e todas elas moldavam o que o universo realmente era, semelhante aos Universos Ilhas de Kant.
 
Entre seus colegas contemporâneos, encontramos Harlow Shapley (1885-1972), que doutorando em Princeton (Nova Jersey) se especializaria no estudo de sistemas estelares binários.
 
"Em 1914, ele foi trabalhar no Observatório Mount Wilson (Los Angeles), onde se destacava o grande refletor de 2,5 metros (telescópio Hooker). Seu interesse pelos trabalhos de H. Leavitt e a identificação de estrelas variáveis desse tipo (cefeidas) em aglomerados globulares de estrelas o levaram a propor duas teorias interessantes; A primeira é que as variáveis cefeidas deviam suas variações de brilho a pulsações físicas e não faziam parte de um sistema binário que eclipsava mutuamente. O segundo, que distâncias a aglomerados globulares poderiam ser calculados de acordo com os estudos de H. Leavitt em relação a essas estrelas. Esses locais de aglomerados globulares tornaram nosso universo conhecido muito maior do que pensávamos e também deslocaram o Sol de um local supostamente privilegiado.
 
No entanto, convencido da relação período-luminosidade das Cefeidas, mas não das conclusões obtidas das mudanças espectrais das galáxias espirais, ele defendia um universo maior do que se pensava no início do século XX, uma Via Láctea que englobava todo o universo conhecido - incluindo as nebulosas em espiral - e além, nada." [4].
Entre outras propostas, Shapley mostrou que Sol fica longe do centro da Via Láctea.
 
Em 26 de abril de 1920 ocorreu um "debate" no Museu do Instituto Nacional de História Natural Smithsonian (Washington-EUA), conhecido como "Grande Debate". Ambos defenderam suas respectivas conclusões sobre o tamanho do Universo e da natureza das nebulosas espirais. 
 
Quem estava certo e quem estava errado? 
 
A resposta é que os dois homens estavam certos em alguns pontos e que ambos estavam errados em alguns pontos. As nebulosas em espiral indescritíveis eram galáxias externas, como Curtis argumentara. No entanto, Shapley estava certo de que o Sol fica longe do centro da Via Láctea, e sua estimativa do tamanho total estava muito mais próxima do valor atualmente aceito [3].
Andrômeda-Hubble
Uma imagem histórica da galáxia de Andrômeda, tirada por Edwin Hubble em 1923. Na chapa está escrito um "N" para "estrela nova" e "VAR!", estrela variável (cefeida). Crédito: Smithsonian Institute.
 
Grande Debate fechou em 1925, quando Edwin Hubble detectou Cefeidas entre várias destas "nebulosas" (especialmente em M33, a galáxia de Andrômeda) - tudo isso em grande parte graças ao trabalho de uma mulher, Henrietta Leavitt, e ao poderoso telescópio de 2,5 m do Monte Wilson. Por conseguinte, essas medidas revelariam a natureza extragaláctica destes objetos [5], assim como que as galáxias estavam expandindo. 
 
O Grande debate nem foi tão grande assim. Ele foi um elo dos conhecimentos acumulados há séculos e abriu caminho para se chegar a uma conclusão sobre as "nebulosas", criando novos dilemas sobre a origem e idade do Universo.
 
Marcio Malacarne

Referências

[1] Introdução a Cosmologia, Roberto E. de Souza, EdUSP, 2004.
[2] Distâncias Astronômicas http://astro.if.ufrgs.br/dist/dist.htm
Cefeidas