"A PRIMAVERA” DE BOTTICELLI SEGUNDO A METODOLOGIA DE ANÁLISE DE IMAGEM DE PANOFSKY
Letícia Laís Ducheiko*
Sandro Botticelli. A Primavera. Têmpera sobre painel, 203x314cm, Galeria Uffizi, Florença. Fonte: UFFIZI1, 2014.
A figura é uma reprodução d’A Primavera, uma das mais famosas obras de Sandro Botticelli (1445-1510), pintor da Alta Renascença Italiana. Botticelli estudou com Verrocchio (1435-1488) e Pollaiuolo (1433-1498) e fez muitas obras para a família Médici (a família Médici foi muito importante para o mecenato artístico durante o Renascimento Italiano. Sua dinástia originou-se na região de Toscana, e com o aumento do seu poder político governaram Florença: com líderes políticos e religiosos). Botticelli ficou muito conhecido pelo seu uso da cor e pela qualidade de sua linha, sendo que suas obras são verdadeiras poesias visuais – pintou temas religiosos cristãos e temas mitológicos e tinha grande habilidade retratista.2
Tendo vivido no Renascimento, Botticelli esteve em estreito contato com suas principais características: o Humanismo, o Antropocentrismo e o Classicismo. O Classicismo reporta-se ao resgate da cultura greco-romana, o Antropocentrismo considerava o homem como centro e o Humanismo destaca-se pelas “ideias e princípios que dignificam as ações humanas e os valores morais”.3
A obra, A Primavera, possui inúmeros detalhes que podem ser revelados em uma Descrição Pré-iconográfica, o primeiro ato para análise de uma obra de acordo com Panofsky4. Esse tipo de descrição revela que a obra possui nove personagens distribuídos por toda a extensão do quadro. Ao centro da obra, soberana a olhar o espectador, está uma mulher em pé, com o corpo levemente em “S”, segurando um forte manto vermelho. Sobre ela, um personagem que remete à um cupido, com o corpo infantil, asas que o suspendem no ar e olhos vendados, apontando para um grupo de três mulheres. Essas três mulheres de pele e cabelos claros dançam vestidas transparentemente. A esquerda da obra, o personagem de um jovem (quase fora da composição por seu olhar e suas ações indiferentes ao resto da obra) chama atenção ao lado das personagens femininas por seu manto vermelho nesta composição de cores claras. O jovem tem uma espada na cintura e uma das mãos erguidas que alcança uma fruta. Depois que o olho do espectador segue este ciclo, volta-se para o lado direito da obra, em que o tema Primavera parece alcançar seu auge. Neste espaço, o olhar segue da primeira à última figura e volta da última para a primeira, buscando compreender a narrativa da obra. Neste grupo, uma mulher floridamente vestida, espalha flores e atrás dela, uma jovem, também vestida transparentemente foge dos braços e do sopro de um ser azulado com asas.
Na obra, o chão verde escuro é muito florido e o cenário dos acontecimentos parece ser um bosque com muitas árvores dando frutos alaranjados. Há diferentes flores, diferentes caules de árvores e diferentes folhas. Há algumas entradas de luz, mas duas delas, atrás da personagem central chamam atenção pela sua forma, que ora parecem olhos, ora parecem pulmões. Os personagens destacam-se pela suavidade das cores, contrastando com o escuro do fundo e do chão. As figuras estão quase todas na vertical, com exceção do cupido, que está na horizontal, e de duas do grupo a direita que estão em diagonal, mas amparadas pelas verticais das outras personagens.
O segundo ato de análise, segundo Panofsky5, é a Análise Iconográfica. Nesta análise, se busca compreender os temas e conceitos representados pelos símbolos e eventos descritos6. De acordo com o web site da galeria Uffizi7, a personagem central é Vênus, a deusa do amor e da beleza. O personagem acima de Vênus é o Cupido, que na mitologia grega é considerado filho de Vênus e Marte, muito querido pela felicidade que trazia aos casais, mas considerado malicioso pelas combinações que fazia orientado por Vênus. O grupo das três mulheres dançando são as Três Graças, deusas da sorte, gratidão, prosperidade, ou seja, das graças. Elas podem ser consideradas filhas de Vênus e tinham afeição pela música e pela dança. O jovem ao lado delas é Mercúrio, o deus das mercadorias, da venda e do comércio. No grupo ao lado direito, Zephyrus – o jovem azul – persegue flora e fecunda-a com um suspiro. Flora transforma-se na Primavera, que é a personificação dessa estação do ano.8 A Primavera, enquanto estação do ano é a que traz a renovação, a fecundidade e o reflorescimento - fica entre o Inverno e o Verão e ocorre no Hemisfério que está mais próximo do Sol, e como se constata, na Primavera ocorre o equinócio, quando os dias e as noites têm a mesma duração.
A partir destas análises, é possível fazer uma síntese recreativa, seguindo o terceiro ato para análise de uma obra segundo Panofsky9, a Interpretação Iconológica. É a interpretação mais subjetiva na qual se busca compreender o significado da obra. Compreende-se assim, que a obra revela muitos dos ideais do Renascimento, pois, a Primavera, que é o tema da obra e o título dela é a estação do Renascimento, renascimento das flores e está ligado também a fecundidade, assim como foi fecundo o período do Renascimento. A figura central nos remete ao ideal clássico de beleza, retomando princípios da antiguidade clássica. As Três Graças representam as graças neste período de progressos e avanços. A presença de Mercúrio, em uma composição sobre a Primavera, representa o renascimento do comércio neste período, em que uma nova classe – a burguesia – estava entrando em ascensão.
No grupo da Primavera, o grupo da direita, se vê a fecundidade da flora, causada pelo vento que faz com que as flores se fecundem na Primavera. Desse modo, se vê a transformação ocorrida, assim como a transformação ocorrida neste período da história da humanidade. Este jogo de transformação, de passado e de futuro, a Primavera, que se situa entre o Inverno e o Verão não olha para trás. Nesta alegoria, o Inverno representa o período anterior, a Idade Média, que de acordo com Byington10, era repudiado pelos homens que viviam eufóricos com o novo momento e entusiasmados em direção às novas formas, pelo que estava por vir. Foi um período, portanto, cheio de flores e frutos, em que se respiravam novos ares, como os sugeridos pelos pulmões com seus alvéolos no fundo da obra. A obra sintetiza os ideais do Renascimento, e demonstra esse momento do equinócio, ou seja, do equilíbrio que os homens deste período buscavam.
* Estudante de Artes Visduas da UEPG
REFERÊNCIAS
1 UFFIZI.org. A Primavera de Botticelli. Disponível em: < http://www.uffizi.org/artworks/la-primavera-allegory-of-spring-by-sandro.... Acesso em: 31 de outubro de 2014.
2 WEBGALLERY. Botticelli. Disponível em: <http://www.wga.hu/support/viewer/z.html>. Acesso em: 30 de outubro de 2014.
3 SILVA, Josie Agatha Parrilha da. Arte e ciência no Renascimento: discussões e possibilidades de reaproximação a partir do codex entre Cigoli e Galileu no século XVII. 2013, 503 f. Tese (Doutorado em Educação para a Ciência e a Matemática) – Universidade Estadual de Maringá, Maringá, 2013.
4 PANOFSKY, Erwin. Significado nas Artes Visuais. Tradução de Maria Clara F. Kneese e J. Fuinsburg. 3ª Ed. São Paulo: Perspectiva, 2012.
5 BYINGTON, Elisa. O projeto do Renascimento. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2009.
1 UFFIZI.org. A Primavera de Botticelli. Disponível em: < http://www.uffizi.org/artworks/la-primavera-allegory-of-spring-by-sandro.... Acesso em: 31 de outubro de 2014.
2 WEBGALLERY. Botticelli. Disponível em: <http://www.wga.hu/support/viewer/z.html>. Acesso em: 30 de outubro de 2014.
3 SILVA, Josie Agatha Parrilha da. Arte e ciência no Renascimento: discussões e possibilidades de reaproximação a partir do codex entre Cigoli e Galileu no século XVII. 2013, 503 f. Tese (Doutorado em Educação para a Ciência e a Matemática) – Universidade Estadual de Maringá, Maringá, 2013.
4 PANOFSKY, Erwin. Significado nas Artes Visuais. Tradução de Maria Clara F. Kneese e J. Fuinsburg. 3ª Ed. São Paulo: Perspectiva, 2012.
5 Ibid.
6 SILVA, 2013.
7 UFFIZI, 2014.
8 Ibid.
9 PANOFSKY, 2012.
10 BYINGTON, Elisa. O projeto do Renascimento. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2009.